É bonita demais a mão de quem conduz a bandeira da paz
Zé Vicente
Todos os dias nos despertamos ou adormecemos estonteadas com notícias dolorosas de mortes de inocentes de forma violenta em nossas comunidades. Emilly Victoria, de quatro anos, e Rebeca Beatriz R. dos Santos, de sete, mortas a bala enquanto brincavam na porta de sua casa, em Duque de Caxias, RJ, no dia 04/12. Infelizmente não foi um fato isolado. Soma-se às tristes estatísticas do derramamento de sangue de vidas pretas e pobres nas calçadas, ruas e becos das periferias de nossas cidades. Sangue que brada aos céus e a nós por justiça, paz e direitos. Sangue que interpela todas/os nós à construção da cultura da paz e à incansável luta pelos direitos humanos.
Ao elencarmos as situações que clamam por paz e vida em nossos dias, adentramos num emaranhado de situações que evidenciam uma “guerra em pedaços”. A lista de violações é tamanha e evidencia uma humanidade violentada em seu corpo, dignidade, liberdade e possibilidade de desenvolvimento humano e social. São milhões de vítimas da fome, do desemprego, da mendicância, da falta de acesso à saúde, educação, cultura, lazer, transporte, segurança e habitação, da violência policial… situações geradas pela orquestrada necropolítica do sistema neoliberal, regido pelos governos indiferentes e genocidas em escala mundial e nacional.
A cultura da paz é definida pelas Nações Unidas (2004) como um conjunto de valores, atitudes, condutas e estilos de vida que rejeitam a violência e previnem conflitos indo às suas raízes para resolver os problemas por meio da educação, do diálogo e da cooperação entre indivíduos, grupos e nações.
Em seu discurso na 75a Assembleia Geral da ONU no último mês de setembro, o Papa Francisco denunciou as mazelas de uma “humanidade violada” por guerras e pelo desrespeito à vida humana e ao meio ambiente. Afirmou que a cultura do descarte, da exclusão é um atentado contra a humanidade. Fato doloroso, que revela o quanto os direitos fundamentais da humanidade, sobretudo das populações mais vulneráveis, continuam sendo violados e impunes. E lembrou à ONU de sua tarefa e de sua missão de oficineira da paz.
O Papa afirmou ainda: “É preciso desmantelar as lógicas perversas que atribuem a posse de armas à segurança pessoal e social. Tais lógicas só servem para incrementar as ganâncias da indústria bélica, alimentando um clima de desconfiança e de temor entre as pessoas, os povos”. Infelizmente os governantes de nossos países, estão indo na direção contrária a este apelo. O que vemos é a incitação ao ódio e ao uso das armas de forma institucional, legal e como meio de sustentação dos interesses econômicos de uma elite dominante. Cabe a todas/os nós fazer eco a este apelo em nossas CEBs e demais espaços onde atuamos.
Ser oficineiras/os da paz é missão de todas e todos nós. Urge, em nossas comunidades vencer a guerra do ódio, das armas, do racismo, da intolerância em nossas relações, bem como denunciar toda forma de indiferença, exclusão, violências e morte. A cultura da paz não é simplesmente ausência de guerra, tampouco passividade e resignação, trata-se de uma nova consciência e adesão a soluções pacíficas dos conflitos, uma conversão e mudança dos paradigmas violentos que sustentam o atual modelo de civilizatório que vivemos.
Alguns caminhos para a construção da cultura da paz e a defesa dos Direitos humanos, a partir de nossas comunidades eclesiais de base:
- Rejeitar toda forma de violência. Não só a violência criminalizada, passível de condenação judicial, mas também aquela naturalizada, presente nas relações autoritárias, racistas, sexistas existentes na família, nas comunidades, no local de trabalho, de uma aparente “boa causa”.
- A cultura da paz se faz pela cooperação entre a comunidade dos seres vivos e entre as pessoas. “Tudo que vive é o teu próximo”, disse Gandhi. Nossas comunidades são convidadas a serem espaços de cuidado e respeito em todas as suas dimensões.
- Educar para a cultura da paz – criar programas de formação sobre a cultura da paz a fim de formar uma nova geração de pacifistas, mediadoras/es da paz, que saibam dialogar, negociar, argumentar e cooperar.
- Incidir de todas as formas possíveis para que tenhamos políticas públicas eficazes que promovam o princípio da fraternidade, garantindo os direitos humanos das pessoas, o respeito às diferenças e o acesso aos bens e serviços necessários para viver com dignidade e paz.
- Romper a indiferença e o silêncio social diante das situações de violência que acontecem; fortalecer as organizações comunitárias e sociais como canais de articulação, formação e mobilização pacifica, mas profética.
- Aprofundar a mística das bem aventuranças (cf. Lc 6, 17-36), como programa de vida de nossas comunidades eclesiais de base. Elas traçam um projeto espiritual, mas também político para a construção da cultura da paz!